terça-feira, março 25, 2008

"Quest-ce que le cinema?"

Hoje passei pelo blog do Hugo Alves e li um texto datado de 14 de Março, o qual me despertou imediatamente a atenção... Esse texto fazia referência a outro, publicado no blog "Claquete", exprimindo uma certa angústia pela observação de afirmações injustificadas, na opinião do Hugo, e ainda para mais enunciadas de forma absoluta.
Antes de mais, deixem-me dizer que é salutar que isto aconteça! É bom que se fale de cinema, que se gerem polémicas, que se discuta o conceito de cinema e se troquem opiniões...
Mas a questão principal é a seguinte, o post presente no blog "Claquete" indicava, sem mais, uma lista de 5 filmes que, na opinião dos autores, estão sobrevalorizados. Esses filmes são "L'Atlante", "The Wizard of Oz", "Les Quatre Cents Coups", "Au Hasard Balthazar" e "The New World".
Devo dizer em primeiro lugar que, destes cinco filmes, apenas vi o segundo e o terceiro, ainda que por várias vezes.
Mas o que é que se discute realmente?
O "Claquete" indica os filmes como sobrevalorizados, enquanto que o Hugo exprime a sua indignação pela falta de justificação e, ainda que a mesma fosse dada, não admite sequer a desvalorização de Bresson.
Depois, seguem-se uma série de reacções... O "Claquete" justifica-se, dizendo que o valor dos filmes é eminentemente subjectivo e que uma valorização histórica não fará sentido, por ser estática... Há inclusive um post de resposta ao Hugo. O Hugo, por sua vez diz que: "No caso do Bresson, acho, salvo o devido respeito, que é mesmo uma falta de decoro total: Au hasard Balthasar é uma lição constante do uso da elipse."
Findas estas considerações iniciais que nos aproximam da polémica em causa, acho por bem deixar a minha opinião, por várias razões..., porque gosto de cinema, porque também me interrogo sobre o conceito de cinema, porque vejo muito cinema, porque leio sobre cinema, enfim, porque o tema me interessa...
Mas o que é isto do "valor do cinema"? Aliás, o que é isto do "valor da obra de arte"? Este valor é pecuniário?, é científico?, é histórico?, é técnico?
Diz o Uzi, num comentário ao post do Hugo, que "O valor de uma obra de arte, seja um filme ou uma pintura, depende essencialmente da utilização criativa da forma e do conteudo, e dos diversos niveis de leitura que essa utilização permite ao espectador. De qualquer modo dizer que o filme do Bresson é sobrevalorizado, não é uma provocação, é apenas um disparate."
Na minha opinião, em parte o Uzi tem razão, em parte o Hugo tem razão e, em parte o blog "Claquete" tem, também ele razão...
A noção que o Hugo apresenta para a valorização de um filme de Bresson que, repito, ainda não vi, é a de que ele é "uma lição constante do uso da elipse".
Só por si, uma lição constante do uso da elipse não me diz nada..., não me transtorna, não me perturba, não me põe os "pêlos em pé de arrepio", não me faz rir nem chorar, enfim, não me provoca sentimento algum... Para que servem os artifícios da linguagem cinematográfica? Para que serve o corte, a elipse, o raccord, o plano sequência, o travelling, etc.?
Servem, na minha opinião, para gerar emoções, para as aprofundar, para lhes dar um ou outro sentido, enfim, para criar no espectador uma impressão (da realidade ou não...). Neste sentido concordo com o Uzi... Não quero é, para já, discorrer sobre a noção de valor em si mesma, preferindo utilizar a expressão utilidade... É que, do meu ponto de vista, a noção de valor está sempre subjacente a um critério, a uma conceptualização social e talvez até histórica... Para mim os filmes não são valiosos, a não ser que se poetize esse conceito, mas apenas úteis. Os que me são mais úteis são aqueles de que eu mais gosto, porque, ao fim e ao cabo, foram aqueles que mais me tocaram, que mais me trouxeram o que deles esperava, que mais me trouxeram uma condição sensível...
É interessante, do ponto de vista da historiografia cinematográfica, "valorizar" filmes chave na história do cinema... "Valorizar" filmes que inventaram novas linguagens, novos processos..., que criaram novas formas da concretização de emoções... Mas essa perspectiva interessante deixa de o ser a partir do momento em que essas emoções não nos tocam, não nos dizem nada, não nos perturbam... E ninguém pode ser tocado por tudo...
A subjectividade é, na minha opinião, o cerne da apreciação da obra de arte. Eu olho para este quadro e "arrepio-me", ou vejo este filme e "reflicto", ou oiço aquela música e "transporto-me"... A arte é uma muleta, tão só... Vistas as coisas friamente, não tem nada de "nobre", não existe sequer "nobreza"... A arte é uma forma de as pessoas contemplarem o belo e se sentirem bem, de segregarem um pouco mais de "serotonina ou dopamina", de esquecerem o "inferno" que o absurdo da realidade causa aos mais conscienciosos... Vistas as coisas desta forma, a arte não é muito diferente das drogas, ou do álcool, ou da paternidade, ou da família, ou da amizade, ou das viagens..., como processo, entenda-se...
Gostar de cinema é procurar um escape numa linguagem que nos agrada. Gostar de um filme, gostar a sério, é sentir que esse filme nos disse algo do ponto de vista do seu conteúdo, nos transportou para onde queríamos ir, para as ambiências que queríamos sentir...
A função do crítico, em bom rigor, é oca... O que ele faz é contribuir para uma historiografia do cinema, estampando em letras uma definição objectiva do bom cinema... Não quero ser mal interpretado... Acredito na qualidade, acho que ela é objectiva..., mas não acredito no universalmente bom e no universalmente mau... O que tem qualidade não tem que ser bom nem mau, tem qualidade, tão só... O bom e o mau é a medida em que cada filme nos toca... É a identificação que podemos ter com cada filme, seja ela própria ou heterónoma.
De Bresson só vi "O Dinheiro", o "Processo de Joana D'Arc" e "O Carteirista"... Não me toca, não gosto, é forçado, propositadamente forçado... Não gosto da direcção de actores, não gosto de toda aquela artificialidade, para mim é mau e ponto final! Se tem qualidade? Claro que tem, reconheço-o! Contribuiu para que fossem feitos outros filmes que me tocaram? Claro que sim! Mas não é por estas ou outras razões que me vou pôr para aqui a fazer odes ao Bresson...
Quando vejo um filme, um filme dos que gosto, torno-me completamente sensível! (e agora estou a poetizar, porque ao fim e ao cabo apenas segrego um pouco mais de dopamina ou serotonina do que o habitual...) Transporto-me para o olhar de uma criança de cinco anos e gosto de o fazer, gosto dessa alienação!
Quando penso sobre um filme que vi, via de regra, depois de já o ter assimilado ao ponto máximo da minha sensibilidade, desconstruo-o. Penso nas razões porque ele me tocou tanto, "cientifico-o", se assim o quiserem... O primeiro processo é único, genuíno, belo... O segundo é meramente interessante... O primeiro processo é aquele do qual se faz a arte e a sua utilidade. O segundo é aquele do qual se faz a crítica, do qual se fazem as escolas, do qual se fazem os movimentos... É necessário, mas não é arte, não é, teleologicamente, arte!
Quando escrevo sobre cinema procuro exprimir a minha subjectividade, procuro falar sobre o que me toca, sobre o que me emociona, sobre o que me é útil... Procuro encontrar pessoas que sejam minhas semelhantes e trocar pontos de vista com elas, procuro encontrar espaços para "coexistir na existência do que sou". Outras vezes procuro mudar os meus pontos de vista sobre certas questões, pôr-me em causa... Procuro ensinar e aprender... Às vezes falo de questões técnicas, às vezes também caio na perspectiva da valorização..., mas só o faço a título secundário, a título de "vamos concretizar uns dogmazitos que identifiquei"...
No cinema, como na vida, o que interessa é o sumo... Sejamos energúmenos e deixemos o espremedor para aqueles que não perceberam ainda que nenhum homem é eterno!
Cumprimentos cinéfilos!

4 comentários:

José Oliveira disse...

mais valia teres estado calado...sinceramente, vê o filme e lê o texto do godard e aí diz lá a tua opinião e não enrroles...

Ursdens disse...

O objectivo do meu post não foi falar de um filme em concreto, mas sim do conceito de cinema...

De qualquer das formas assimila-se o recado, ainda que, um tanto ou quanto, inócuo...

Cumprimentos cinéfilos!

Hugo disse...

Por razões várias (a tese! a tese! a tese!) só vi agora o post. Assim, sim. Com urbanidade e ponderação.

Cumprimentos

Ursdens disse...

É isso mesmo Hugo, estas trocas de opiniões devem ser isso mesmo, devem ser uma forma de cada um aprender mais e ser, cada dia que passa, uma pessoa mais completa...

É inútil levar todas estas questões "doutrinárias" (chamemos-lhes assim) para o campo pessoal...

Cada um tem a sua "ponderada" opinião e só lhe fará bem ouvir a "ponderada" opinião dos outros... Da discussão nasce a luz!

Cumprimentos e força aí nessa tese! :)