quinta-feira, janeiro 11, 2007

Almodóvar e o Cinema Quarteto

Anteontem fui ver o "Volver" ao Cinema Quarteto. Do filme direi apenas que Almodóvar adquiriu, desde há uns anos para cá, uma grave patalogia: Não consegue fazer mau cinema... O seu cinema é forte, estilizado, cheio de cores fortes, tanto na tela como nos argumentos. É o realizador do kitsch por excelência, um dadaísta "tímido", capaz de um humor que, de tão absurdo que é, se torna cáustico...

O preço a pagar por tamanha "subversão estética" é o de que não lhe conheço nenhuma obra prima... Faz filmes com muita qualidade, muito agradáveis, com argumentos poderosíssimos e composições cénicas primorosas, mas a toada é sempre a mesma. Almodóvar paga, se calhar, o preço de ter personalidade, de ser "Almodóvar"...
"Volver" é por isso, para mim, mais um filme de Almodóvar..., tão só... não que isto seja negativo, entenda-se.
Gosto do drama como género, se é que se pode falar em géneros no que diz respeito a um "certo cinema". E é aí que Almodóvar brilha, para lá de desvarios iniciais relacionados com "presuntos" e afins e desconstruções cómicas momentâneas como "Átame" ou "Mulheres à beira de um ataque de nervos". No drama, Almodóvar torna-se Almodóvar... Congrega todos os elementos do seu cinema; tanto os desvarios absurdos, crús ou não, como o sarcasmo malicioso-inofensivo, até aos ambientes grutescos, de uma espécie de "romantização" feita, artificialmente, para parecer artificial... Apenas uma excepção no que a esta ideia diz respeito: "A Má Educação", que a dada altura esteve mais próximo do cinema de Tornatore do que do habitual frenesi de Almodóvar.

É no drama que Almodóvar estampa "Tudo sobre a minha mãe", "Hable con Ella", "Carne trémula", "A flor do meu segredo" e este mais recente "Volver". Bem haja!


Mas, dizia eu, anteontem fui ver o "Volver" ao cinema Quarteto. Há muito tempo que lá não ia, talvez desde a maratona de filmes que comemorou os 25 anos da existência do cinema, em que estive à porta e por lá fiquei porque já não arranjei bilhete...

Confesso que tinha algumas saudades... Era um cinema ao qual ia muitas vezes com os meus pais, quando vinha a Lisboa. Foi por lá que eles algumas vezes namoraram enquanto por cá andavam, dizem-me, e nunca perderam o gosto em lá ir. Lembro-me de ir ver ao Quarteto o "Indiana Jones e a última cruzada", era eu ainda pirralho... Lembro-me de ver lá o "The Rainmaker" do Coppola, "O último Imperador" do Bertolucci e muitos mais... Gostei de lá voltar!

Aquele cinema tem um toque de glamour decadente... As escadarias estreitas recheadas de posters "vintage", as cadeiras vermelhas maltratadas, os quadrados em alto relevo nas paredes das salas...
Hoje vêm-se lá filmes baratos, mais caros que na cinamateca, mas também mais recentes... Quatro euros imagine-se..., três se houver cartão jovem... Há intervalo e ainda se ouve aquele som intermitente da chamada das pessoas à sala. Escolhemos o lugar, não há pipocas, não se faz barulho... fabuloso!

Muito cinema de autor é lá projectado, cerca de um mês depois de já não estar em exibição no circuito comercial. Só tenho pena que as películas, como já foram muito rodadas, não estejam em grande estado...

Quando saí do cinema, estava o átrio com um ambiente deserto, mas aconchegante. Era para aí meia noite, embora o bar ainda estivesse aberto. Não havia ninguém a não ser eu, um amigo que comigo tinha ido, o Manel, e a empregada do bar. Encostámo-nos ao balcão porque ele queria tomar um café. Durante a tarde tinha estado a ouvir o "These Foolish Things" cantado pela Ella Fitzgerald. Olhei para o balcão e, ao reparar no cinzeiro, vejo lá uma beata enorme, cheia de marcas de bâton... "a cigarette that bares a lipstick's traces...". Reapaixonei-me pelo Quarteto... Que vivas muitos anos nesse teu glamour decadente!

9 comentários:

Susana Fonseca disse...

Lista de filmes de 2006, aguardo a tua visita.
Abraços cinéfilos

C. disse...

O que eu gostei deste post! :)

A última vez que estive no Quarteto foi com Wong Kar Wai... era o único cinema que tinha ainda em exibição o fantástico '2046'.

Anónimo disse...

Parabéns pelo post, muito bem escrito.

Hugo disse...

Belo post! E sim, é impossível - apesar de tudo - não gostar do Quarteto.

Nuno Pires disse...

Texto muito bom :)

Ursdens disse...

Obrigado pelos elogios ao texto... mas parem por favor, senão nunca mais escrevo nada de jeito... eheh

Lua: Tenho lido o teu blog, é leitura obrigatória pelo menos uma vez por semana!

Wasted: Dizia-me ontem um amigo que é uma vegonha eu nunca ter visto nada do Wong Kar Wai... Vou ter que colmatar a falha...

Hugo: Porquê "apesar de tudo"?

Portem-se! :D

C. disse...

O teu amigo tem razão, é uma vergonha!

Quanto ao "apesar de tudo" do Hugo... acho que se refere ao mau estado das cadeiras e poucas condições técnicas.

Por exemplo, quando lá estive a ver o '2046', houve momentos em que ouvi a música do filme da sala ao lado, 'Les choristes' :S

Ursdens disse...

eheh, para ouvires ao ponto de indentificares o filme deve ser mesmo grave..., mas de facto o som é um dos problemas daquele cinema...

Quanto ao Kar Wai, se verá, pode ser que me dê para a coisa entretanto! :D

avany peixoto disse...

Amei sua escritura. Almodóvar é muito Espanha. Gosto disso. Porém, "a toada é sempre a mesma". Começa a pecar por repetir a forma (fórmula)que deu certo. Um abraço bem brasileiro.