sexta-feira, junho 23, 2006

La maman et la putain



"La maman et la Putain" é a obra prima do conturbado realizador francês, Jean Eustache, que acabaria por se suicidar muito novo, sem a possibilidade de nos deixar um extenso acervo fílmico. É também o filme que, talvez formalmente, marca o fim e o declínio da "Nouvelle Vague".

Rodado a preto e branco e com a duração de três horas e meia, "La maman et la Putain" é um ensaio sobre o triângulo amoroso, sobre os gigolo's e as putas, sobre as mulheres avant-gárde e os intelectuais. Um filme datado, sem dúvida, que terá perdido importância, sobretudo devido à banalização dos temas em que se debruça.

Jean-Pierre Léaud interpreta Alexandre, um homem ocioso, cuja vida oscila entre os cafés parisienses, os livros, as conversas com amigos intelectuais, as conquistas de novas mulheres e o dia a dia com a sua amante de meia idade. Alexandre não tem nada, não precisa de ter nada... Vive uma vida de galã, talvez pelo facto de ter perdido o grande amor, com quem coabitou durante alguns anos. A sua companheira é quem o sustenta e quem lhe dá guarida. Não são propriamente um casal e as suas vidas estão envoltas pela sombra da infidelidade, por vezes confessada abertamente, sem complexos aparentes.

Alexandre conhece outra mulher, uma enfermeira, e vê nela um substituto do seu velho e maior amor. Não tarda que Alexandre, a sua namorada e a enfermeira durmam juntos, comam juntos, vivam juntos...

Este é um filme sobre o amor e sobre o prazer, uma reflexão sobre a condição feminina pós "Maio de 68". Aborda-se o estigma que norteia a mulher tradicional, no que diz respeito ao sexo, como se houvesse mulheres que o fazem, umas por prazer e outras por dever, umas putas, outras mães...

Um filme sobre o falso poder dos homens e o, acutilantemente dissimulado, poder das mulheres. Talvez por isso, quando a final, a amante enfermeira deixa de querer Alexandre, nos lembremos de "O último tango em Paris" e da parábola do homem que tem a mulher que quiser até ao dia em que esta deixa de o querer...

terça-feira, junho 06, 2006

Trinta anos esta noite

Realizado por Louis Malle em 1963, Trinta anos esta noite narra 48 horas da vida de um homem, Alain, cujo desfecho se prevê desde início.
O filme inicia-se com uma sequência de imagens que, possivelmente, terão sido estéticamente decalcadas da obra prima de Alain Resnais, "Hiroshima meu amor". Um homem, uma mulher, um leito, dois corpos entrelaçados, uma conversa, um ritmo melancólico. Faltariam, porventura, as cinzas cobrindo os corpos, para que, de um verdadeiro plágio, pudéssemos falar.
Alain é um ex combatente da guerra da Argélia, alcoólico, habituado ao lascivo ritmo da noite parisiense dos anos 50 e 60. Sempre viveu acompanhado de amigos e mulheres, embora, como se depreenda do filme, nunca tenha tocado ou sido tocado por ninguém...
Alain é casado. A sua mulher vive em Nova Iorque e pagou-lhe o internamento numa clínica em Versailles, durante 4 meses, para que este se desintoxicasse. Findo o internamento, Alain volta a Paris, onde tenta reencontrar todos os seus velhos amigos. É na cidade das luzes que se debate com o vazio existencial que o assola e que acaba por levá-lo de novo ao alcoolismo.
É a história de um homem confrontado com angústias, com agonia e sofrimento interior, com o fracasso individual de quem não se conforma com o absurdo. É a história de Alain, em si e nos outros e é, simultaneamente, uma história de desencontros, com a vida, consigo e com os outros. Alain acaba por não encontrar razões para existir, por não conseguir tocar, por não conseguir ser tocado, por a vida não fazer sentido sem o toque...
O título original do filme é "Le feu follet", cuja tradução em português seria "o fogo-fátuo", aquele que emerge dos cemitérios sem qualquer razão aparente. Ora, é precisamente este fogo-fátuo que incendeia a personagem de Alain, numa auto-combustão, em que a razão terá, necessariamente, que ser posta de parte.
Trinta anos esta noite é um filme de enorme impacto emocional, um clássico do cinema existencialista, possivelmente desajustado ao homem do terceiro milénio, mas ainda assim importante. As guerras hão-de voltar, a comodidade irá de novo desaparecer e ser substituída pela angústia, a história repete-se, em ciclos... e o grito de Munch voltará a ser ouvido...