Body Rice

Tudo começou quando, ao abrir a página online de cinema do público, me deparei com um texto cujo título era "o freak é chique", da autoria de Inês Nadais. Ora, "o freak é chique" é no mínimo intrigante, vai daí pûs-me a ler o belo do texto.
Concluí na altura que o realizador Hugo Vieira da Silva tinha querido fazer um filme "Wharholiano", mais baseado na performance e na atitude da câmara perante o corpo e vice-versa. Hugo Vieira da Silva desmentia o epíteto de "filme sobre freaks" e focava a sua atenção numa perspectiva mais plástica e estética da obra.
Dizia: "(...) o meu cinema é performativo: não me interessa ir para o set improvisar e apanhar coisas com a câmara, interessa-me esse lado laboratorial antes do filme. A performance é aquele momento, o filme é outra coisa: há um efeito modificador na imagem e na montagem. Interessa-me trabalhar no cinema, ainda que pondo o cinema em causa. (...)"
Por sua vez, Inês Nadais ironizava um tanto ou quanto, quase rindo do facto de o realizador desmentir ser este um filme sobre freaks e charros e música tecno e alentejo e alcóol e cães, etc. ...

Há, no entanto, coisas que não compreendo em Hugo Vieira da Silva. Não percebo como pode querer fazer cinema performativo com uma base narrativa, não entendo como pode incluir no filme esta mesma base desprezando-a e menosprezando-a.
Há história em "Body Rice". Este não é um filme à Paul Morrissey, ou à Andy Warhol (caso queiram atribuir a autoria a esse proxeneta intelectualmente diminuído...). É um filme partido, sim, fragmentado, que vive, pura e simplesmente, de instantes, de situações...
Não vejo grande mérito na perspectiva performativa perfilhada pelo realizador. "Lado laboratorial" no filme existe sempre. Chama-se "mise en scène" e conduz inevitavelmente à performance. A questão é que, normalmente essa performance, no cinema narrativo, serve para contar uma história, enquanto que no cinema não-narrativo existe "per si". Se é uma questão conceptual que o realizador quis atingir, ou seja, fazer um filme narrativo com uma componente performativa que tenha existência própria e autónoma, tudo bem... Não consigo é vislumbrar mérito nisso, como também não o vislumbro na obra de Paul Morrissey. Não gosto de cinema experimental, por norma, tenho tendência a encontar nele apenas pormenores interessantes, tão só.

É também um filme sobre "freaks exilados", aqueles que se viram obrigados a, no final dos anos 80, virem para Portugal em programas de reabilitação social, oriundos da Alemanha.
Não é um filme que mostre uma realidade desconhecida, pelo menos para os mais informados. Comunidades há-as em muitos sítios, de norte a sul do país. Há inclusivamente aldeias de freaks!, veja-se. Logo não é também por aí que o filme possa ter grande interesse...
O que gostei em "Body Rice" foi da sensibilidade. Da dinâmica que as imagens de Hugo Vieira da Silva imprimiram naquele "modo de vida", naquele despojar de tudo. Da contemplação da alienação "per si", capaz de, assim apresentada, explicar o seu fundamento aos mais atentos... É, por isso, um filme que, tenha o realizador querido ou não, serve de base a uma reflexão sobre os "freaks" e a "freakalhada"...
Acrescento apenas que gostei muito da fotografia e, especialmente, da banda sonora, fora os trechos psicadélicos...
2 comentários:
Eu vi o filme no King há alguns anos. Acho que é um filme que perde se não for visto em cinema. Ainda assim, força, que o filme tem o seu interesse!
Cumprimentos cinéfilos!
Enviar um comentário