terça-feira, dezembro 26, 2006

Ordet ou o Panfleto Religioso de Carl T. Dreyer




Este é daqueles filmes sobre os quais é difícil escrever.. Basta dizer que o tema é a religião, mais precisamente a fé, e, como fazer de conta que não temos opinião formada à partida sobre o tema me parece bastante impossível, assumo-me desde já como ateu, sendo que dificilmente o facto não estará subjacente à minha opinião..


Passando então ao filme propriamente dito, dizer que é de 1955, foi realizado por Carl T. Dreyer e, do meu ponto de vista, roça o panfleto religioso.. Aos quinze minutos de filme já sentia um certo desconforto pela temática, mas como a realização me estava a agradar e a personagem de Johannes me estava a intrigar continuei esperançoso que fosse "sol de pouca dura", engano! Panfleto do início ao fim! Alguns argumentarão que é apenas uma fábula e que a mensagem é de que com fé e amor tudo é possível, mas a opção propagandística é indissociável do filme.. Aceito se me disserem que o realizador, no sentido de não se identificar com a instituição religiosa, põe o padre ao mesmo nível do médico, confronta-os mesmo e não conclui, mas no fim até o médico (ao segurar o padre dá uma hipótese a Johannes de continuar a sua ressuscitação) age como, até mesmo ele, se tivesse já convertido! Além disto não se pode ter uma personagem que, apesar de louco, encarna Cristo e ressuscita alguém, e manter uma distância em relação ao tema. Este é um filme manifestamente propagandístico e eu assumo, custou-me um pouco lidar com isso, talvez porque não estou habituado a ver um guião tão declaradamente religioso.

Do ponto de vista puramente cinematográfico é um bom filme: as personagens estão bem construídas (se bem que o desempenho dos actores por vezes seja demasiado teatral), a história acaba por nem ser muito má e os planos (quase todos de interiores) são bastante agradáveis, mas, apesar de assumir que o filme carrega em si uma mística própria e alguns momentos de tensão bastante bem construídos, está longe de ser a obra-prima por muitos considerada..



segunda-feira, dezembro 18, 2006

Um possível roteiro pelo cinema asiático

O objectivo deste roteiro é apenas dar uma ideia do que se faz pelo oriente, e ,como é óbvio, não está isento do meu gosto pessoal. É pois provável que não vejam aqui referidos os grandes nomes do terror japonês nem do cinema de acção e artes marciais. Ficará também patente que, pelo facto de conhecer melhor a sua obra, há países sobre os quais me sinto mais à vontade de falar do que outros, havendo alguns sobre os quais irei debruçar-me sobre os clássicos enquanto que noutros casos apenas falarei ao de leve sobre o cinema actual. Dizer ainda que o objectivo não é criticar nem informar sobre os filmes em si, mas apenas indicar um possível percurso... Em todo o caso penso que será um bom ponto de partida para quem não conhece o cinema oriental... Só uma última nota: tendo em conta que não conheço o nome de todos os filmes em portugês, e que na língua original não passarão de sons sem sentido, vou optar por usar sempre o nome em inglês...



O cinema chinês mais recente (1980 - ) tem um cunho pessoal que o distingue do resto do cinema asiático, não fosse a China uma ditadura opressiva. Deste modo, as condições políticas, mesmo não estando assumidas nos filmes, são indissociáveis do produto final, visto certos temas serem tabu, enfrentando os realizadores a possibilidade de serem perseguidos pelo sistema caso aflorem certos temas mais problemáticos. Em todo o caso, eu penso que ao longo do tempo os criadores chineses têm conseguido produzir obras geniais mesmo nestas condições, sendo disso exemplo a obra de Chen Kaige e Zhang Yimou, designados como os mestres da quinta escola ou, mais recentemente, Jia Zhang Ke, a figura de proa do novo chinema chinês.Começando pelo primeiro há dois filmes obrigatórios: "Yellow Earth", uma viagem à China profunda dos tempos da grande marcha, e "Farewell My Concubine", para mim um dos filmes mais perfeitos de todos os tempos. Em relação a Zhang Yimou, apesar de se ter tornado mais conhecido pelos últimos filmes de artes marciais("House of Flying Daggers" e "Hero"), a sua obra vai muito mais além, sendo isso visível em "Not One Less" e no magnífico "Raise the Red Lantern". Por fim falta falar de Jia Zhang Ke,recentemente premiado em Veneza por "Still Life", o qual apresenta uma obra na totalidade muito boa ("Pickpocket" ;"Platform" ;"Unknown Pleasures" e "The World") com um fio condutor comum: a inadaptabilidade da sociedade chinesa ao advento do capitalismo.



O cinema japonês é talvez aquele que mais tem chegado aos nossos ecrãs e provavelmente o que o espectador ocidental melhor conhece...Em relação aos marcos históricos, existem, pelo menos, três nomes a reter: Yasujiro Ozu, Kenji Mizoguchi e principalmente Akira Kurosawa. O primeiro, cuja obra é um reflexo da sociedade dos anos 50 e 60 e reflecte todas as mudanças operadas na altura, possui na sua parte formal uma característica única no cinema mundial, que é o facto de todos os planos serem captados de baixo para cima, o que, tendo em conta que um japonês que vivesse nessa altura passaria bastante tempo a olhar o mundo dessa posição, tem algum sentido. Em relação à sua obra aqui ficam duas propostas "The End of Summer" e o seu mais aclamado filme, "Tokyo Story". Ao contrário de Ozu, a obra de Mizoguchi está longe de ser contemporânea, recaindo principalmente sobre a história do Japão, sendo os seus filmes mais conhecidos "Tales of a Pale and Mysterious Moon After the Rain" e "Diary of Oharu". Também Kurosawa optou por se debruçar sobre o passado tendo adaptado com sucesso a técnica dos Westerns aos filmes de espada e samurais. Hoje em dia é considerado um clássico mundial e filmes como "Ran", "The Hidden Fortress", "The Bodyguard" ou "Seven Samurai" são marcos da história do cinema.Andando para a frente no tempo e passando ao lado dos novos nomes do cinema de terror como Kiyoshi Kurosawa, Hideo Nakata ou Takashi Shimizu, mais alguns nomes marcaram, ou começam a marcar, pontos: Shohei Imamura, galardoado por duas vezes com a palma de ouro com os filmes "The Eel" e "Ballad of Narayama", Nagisa Oshima com "Merry Christmas Mr. Lawrence" e o polémico "In the Realm of the Senses", Takeshi Kitano com "Dolls" e "Fireworks" e Takashi Miike ("The Bird People in China", "Gozu" ou "Audition") para muitos um realizador de culto.Mas não só o cinema convencional tem um lugar de destaque no Japão, também a animação atingiu ao longo do tempo um patamar bastante importante. "Akira" de Katsuhiro Ôtomo e "Ghost In The Shell" de Mamoru Oshii, a par de outros, são considerados como os filmes que lançaram o fenómeno Manga, hoje um culto à escala mundial.. No cinema mais infanto/juvenil o estúdio Ghibli marca pontos com dois realizadores geniais nas suas fileiras: o aclamadíssimo Hayao Miyazaki, realizador de "Spirited Away", "Princess Mononoke" e "Kiki's Delivery Service", e Isao Takahata criador de "Grave of the Fireflies" (para mim um dos melhores filmes de animação da história) e de "The Raccoon War".



A Coreia do Sul é talvez, de todos os países asiáticos, aquele em que se deu um maior "boom" criativo nos últimos tempos. Por entre a imensa panóplia de filmes interessantes dois realizadores foram ganhando destaque, Kim Ki-duk ,autor de filmes como "3-Iron", o belíssimo "Spring, Summer, Fall, Winter... and Spring" ou "The Isle", e Park Chan-wook com a sua trilogia sobre a vingança, "Sympathy for Mr. Vengeance", "Old Boy" e "Sympathy for Lady Vengeance". Outros filmes que também merecem ressalva são "Oasis" de Lee Chang-dong e a comédia romântica "My Sassy Girl" de Kwak Jae-young, um filme bastante diferente do estereótipo associado ao género..



Em relação a Taiwan três nomes saltam à vista: Hou Hsiao Hsien com filmes como "A City of Sadness", "The Puppetmaster" e "Millennium Mambo", Edward Yang com "Yi Yi" ou "A Brighter Summer Day" e, apesar de nascido na Malásia, mas há muito radicado em Taiwan, Tsai Ming-liang, um realizador com um universo muito peculiar. Adepto do plano fixo e de um ritmo muito lento, não deixa por isso de ter produzido alguns filmes bastante marcantes tais como "The Hole", "Vive L'amour" ou o meu favorito "Rebels of the Neon God".



De Hong Kong vem um dos maiores nomes do novo cinema asiático: Wong Kar Wai. A sua obra possui alguns dos filmes mais belos e sensuais realizados nos últimos anos: "In The Mood For Love" e "2046" são filmes obrigatórios e "Fallen Angels" ou "Chungking Express" possuem também o toque muito único do realizador o que os transforma em obras a não perder.


Referir ainda o vietnamita radicado em França, Tran Anh Hung, cuja obra ("L'Odeur de la papaye verte", "Cyclo" e "Vertical Ray of the Sun") é um bom exemplo da capacidade de cruzamento entre Ocidente e Ásia e tem sido premiada por toda a Europa.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

O primeiro filme sobre prisioneiros de guerra?

"Não sei o que vocês pensam, mas eu fico sempre irritado quando vejo filmes de guerra, sempre sobre fuzileiros navais e patrulhas submarinas e homens-rã e guerrilhas nas Filipinas. O que me intriga é o facto de nunca ter sido feito um filme sobre prisioneiros de guerra..." é deste modo que começa Stalag 17, pela voz de Cookie, um dos "inquilinos" de uma das casernas da melhor prisão alemã durante a segunda guerra mundial, e continua: "ponham 630 sargentos juntos e, credo, arranjam um grande problema!... Por exemplo a história do espião...". É assim que é introduzida a história de Sefton, Shapiro, Animal, entre outros.. A acção gira à volta da tentativa de descobrir um espião alemão infiltrado na caserna e reflecte o dia a dia e a relação entre os vários prisioneiros, a maneira como eles se relacionam com os guardas, os esquemas que usam para poderem ouvir rádio, espreitar o campo das mulheres russas e mesmo tentar escapar. Stalag 17 é um clássico, realizado por Billy Wilder em 1953 é um filme repleto de laivos de comédia, mas que poderia facilmente ser considerado um filme "noir" tal a carga emotiva e suspense nele presentes.Fica aqui então mais uma proposta, se gostam do género é um filme a não perder.Divertimento de qualidade como já não se faz hoje em dia..

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Manderlay

"Manderlay" é o último filme de Lars Von Trier, o segundo da Trilogia sobre a América, que teve o seu ponto de partida em "Dogville" e será finalizada com "Washington", este último ainda não concluído.

Nesta sequela mantêm-se os mesmos traços estético-formais iniciados em "Dogville". Ou seja, a utilização de cenários abstractos e minimais, a câmara em mão e a divisão do filme em capítulos. Fico, aliás, feliz por ver Von Trier afastar-se cada vez mais do absolutizante e céptico movimento "dogma 95", preferindo, ao invés, usar os seus artifícios de uma forma casuística e menos limitativa a priori.

Acho a ideia dos cenários brilhante, no sentido em que, eliminando a ausência de barreiras espaciais entre edifícios permite aquilo a que, com algum arrojo, chamarei de "nova profundidade de campo" e que vem, em minha opinião, inovar, de um ponto de vista criativo, o percurso da linguagem cinematográfica.
Se em "Dogville" vimos Von Trier iniciar um discurso de comprometimento contra os Estados Unidos (aliás, já "Dancer in the Dark" aproveitara deste discurso), em "Manderlay" assistimos à continuidade desta lógica.
"Dogville" tinha sido um ensaio sobre o poder e a sua mecânica de auto-corrupção, um ensaio sobre as premissas da natureza humana. "Manderlay" é exactamente o mesmo, mas com um pano de fundo diferente, a questão da escravatura.

São interessantes as explanações de conceitos políticos que podemos encontrar, tanto em "Dogville", como em "Manderlay", mas admitamos que estão um pouco "gastas". Von Trier é um idealista, ou pelo menos aparenta sê-lo, pena que se comprometa com ideais, falaciando os seus argumentos. Não que me diga muito a "democracia americana", mas não posso concordar com nenhuma análise tendencial, como é hábito no Sr. Von Trier... Em "Manderlay", Von Trier até faz transparecer o aspecto de que os temas serão tratados com alguma honestidade intelectual, mas cedo percebemos que é só aspecto... Aliás, outra coisa não seria de esperar de alguém que elege, como cavalo de batalha, a crítica a um país onde nunca esteve...

Concluindo este ponto, penso que "Dogville" e "Manderlay" teriam tudo para serem verdadeiros manifestos políticos e acabam por não passar de meras parábolas morais... Mas, afinal de contas, convenhamos que não será ao cinema que compete a elaboração de manifestos políticos e que, no que diz respeito à arte cinematográfica propriamente dita, "Dogville" e "Manderlay" são dois grandes filmes.

Em "Manderlay", Grace (desta feita interpretada por Bryce Dallas Howard) abandona novamente o seu pai para se juntar à comunidade de uma pequena aldeia. Aí encontra uma espécie de "mundo perdido" em que a escravatura se mantém instituída, não obstante já ter sido abolida no resto dos Estados Unidos, há cerca de setenta anos.

Grace traz consigo alguns dos capangas do seu pai e, na sua "infinita bondade", empenha-se em restituir a situação à normalidade, assumindo o poder sobre a aldeia, naquilo que parece ser uma tentativa de ensaio dos primórdios da democracia e das razões que estão inerentes às diversas formas de concretização do estado social.

O filme tem, como "Dogville", um ritmo ímpar, agregado a uma narrativa muito bem construída e a um bom desempenho dos actores, como já é timbre nos filmes realizados pelo exigente Von Trier. Diga-se aliás, que nada perde este "Manderlay" pelo facto de Grace já não ser interpretada por Kidman.

Pessoalmente até gostei mais de Manderlay do que de Dogville, embora sejam filmes muito semelhantes.

Por aqui me fico...

terça-feira, dezembro 05, 2006

A última pérola de Angelopoulos

O Prado das Lágrimas", é um daqueles filmes que se escreve de perda em perda... Triste, escuro, negro, sóbrio, extremamente sóbrio, mas acima de tudo imensamente belo! Uma daquelas sagas que nos faz temer pelo futuro das personagens... Histórias de uma vida e de um país...

O filme perpassa a história da Grécia desde o fim da primeira grande guerra até ao fim da segunda guerra mundial e segue a vida de uma família que serve de espelho da época e das mudanças políticas que se vão operando com o passar do tempo. Mas o enredo está longe de ser o mais importante do filme...

A câmara mexe-se sempre devagar devagarinho para que o espectador se possa perder nos planos sépia sempre equilibrados e bem construídos e emprestando ao filme um ritmo lento, mas que nunca chega a ser chato. E a música?.. A música quando sobe e enche a tela e nos enche a nós! Perfeito! Foi muito bom ver outro realizador além do Kusturica a usar a música como personagem de um filme..

É a soma de variadíssimmos aspectos: o ritmo, a cor, a luz, a banda sonora, a construcção geométrica e mística do plano, que constroem uma ambiência de sobriedade única e transformam este filme num dos mais belos dos últimos anos.

Ainda assim dizer que o tom melodramático da última meia hora vem diminuir à categoria de excelente filme o que as duas horas anteriores tinham construído de obra-prima! Apetece começar a editar o filme e cortar uns planos, nasce o desejo de alterar apenas uma coisa aqui e ali.. É pena!! Fez-me lembrar o que senti quando vi o "Era uma vez na América" de Sérgio Leone, tão perto da perfeição e depois tão perto da tvi!

Para terminar dizer ainda que o "Prado das lágrimas", apesar de tudo é um filme extremamente bonito e, como é o primeiro de uma trilogia, deixa antever a possibilidade de mais cinco horas de cinema de boa qualidade!

domingo, dezembro 03, 2006

A Ciência dos Sonhos

"A Ciência dos Sonhos" é o último filme de Michel Gondry, filme singular, que só agora tive oportunidade de ir ver ao cinema.

Gael Garcia Bernal é Stéphane, um Mexicano que vem viver para França com a sua mãe após a morte do seu pai.

Stéphane sonha, sonha constantemente... Tem a sua própria fábrica de sonhos, um programa de televisão onde a liberdade não tem limites... É uma daquelas personagens que vive "num mundo à parte", construído ao sabor do vento e da imaginação.

Stéphane conhece Stéphanie, interpretada por Charlotte Gainsbourg. Apaixona-se, idealiza, sonha... e continua a sonhar até que o filme acabe... Nos entretempos inventa objectos criativos e trabalha numa pequena empresa.

É um filme com um enquadramento surrealista, de início ao fim, emerso numa frescura doce e harmónica.

A final, acabei por não perceber se Stéphane era só sonhador ou também esquizofrénico, mas penso que seria um pouco dos dois...

Ora aí está o realizador de "Eternal Sunshine of de Spotless Mind", desta vez sem a colaboração de Charlie Kaufman, a impor-se como autor, nos dias em que os mesmos vão escasseando... Goste-se ou não, tem o seu valor!

Ps: Como diria o Palma, "na terra dos sonhos, não há pó nas entrelinhas, ninguém se pode enganar..." (se calhar não é bem assim...)