terça-feira, dezembro 09, 2008

Gangs of New York


Ontem revi, pela enésima vez, o "Gangs of New York" na televisão.

Sempre admirei o cinema de Scorsese. Pela frieza, pela raiva, pela agressividade cega, espelhada, de início ao fim, numa montagem rápida e frenética. Sei, no entanto, que os méritos da montagem são partilhados com Thelma Shoonmaker, ela sim, a grande obreira do "frenetismo scorsesiano"...

Um realizador nunca é aquilo que as pessoas pensam... Há autores, certo..., mas já são raros os Fassbinder's e os Godard's deste mundo, que se empenham em acompanhar todos os processos de criação de um filme. Aliás, relativamente a Scorsese, não lhe conheço filmes em que seja simultaneamente realizador e argumentista. Se os há, desconheço-os...
Scorsese é, portanto, uma espécie de "general", um realizador propriamente dito, no sentido hollywoodesco da palavra. Sempre foi o italo-americano que, pondo de parte o seminário e a vocação sacerdotal, se entregou ao cinema americano, com um pé em Hollywood e outro na Europa. Nunca se assumiu como realizador independente, nem nunca deixou de se assumir como tal. É um híbrido, parece-me...

Mas falava de Gangs of New York e isto apenas porque ontem o vi com outros olhos... Sei que era um projecto que Scorsese tinha em mente desde os anos setenta e sei também que o levou a cabo ambicionando o óscar que, no entanto, apenas viria a conquistar por "The Departed". Lembro-me de, na altura, ter ouvido uma entrevista do Scorsese em que o mesmo dizia ser este o último filme feito com cenários reais e sem recorrer a efeitos digitais em 3d. Estava mesmo a fazer-se à estatueta o senhor!

Nunca estive em Nova York, apenas oiço falar da tal "cidade que nunca dorme" e de um multiculturalismo imenso provocado por um encontro de raças diferentes. Da urbanidade no seu estado extremo, do anonimato, do ritmo, da velocidade da vida...

Em Gangs of New York, Scorsese mostra-nos que aquela cidade foi feita por rufias, por gente da pior casta que existia e que fugiu da Europa na ânsia de encontrar um paraíso... É a vulgar história do fim das colónias... Há irlandeses, italianos, chineses, negros e tudo o mais...

Nesse ambiente de meados do século XIX, vemos as salas de ópio, os salões das gueixas, as orgias, a formação de clãs e o nascimento dos ritmos africanos que posteriormente deram origem aos blues e ao jazz. Vemos esse frenetismo um pouco por toda a tela.

Achei muito interessante o momento em que Daniel Day Lewis fala de um negro a dançar, caracterizando essa mesma dança por uma mistura e simbiose de muitíssimos factores. Scorsese é explícito: É disto que se fez a América... Na América não há americanos que não os nativos..., o resto são arestas de uma pedra, ainda por lapidar.

E agora, pergunta-se: como é que um caos absoluto desemboca noutro caos absoluto criador da maior das metrópoles? É que parece-me que terá sido esta ideia que fascinou Scorsese! A ideia do binómio construção/desconstrução, ideia comum a toda a história no que toca à emergência de civilizações, à sua decadência e às possibilidades de um "novo construir".

O resto, em "Gangs of New York", é menor... Historieta e romancezito e guerrinha para aqui e para ali... Faz parte e ocupa bom espaço, mas não deslumbra...

De qualquer forma, o "Italo-Americano" está de parabéns pelo processo catártico e pela busca das suas origens. E está de parabéns, acima de tudo, por ter conseguido mostrar, de uma certa forma, a frieza do nascimento de uma civilização, sem quaisquer máscaras.

2 comentários:

Sapec disse...

Um dia destes entrei numa Valentim de Carvalho e vi uns filmes em promoção!! Despertou me a curiosidade por um Coreano chamado "Infernal Affairs", Humm 7 prémios , o filme mais premiado de sempre Coreano, deve ser bom!!
Qual o meu espanto...e 35 min depois tive que colocar um stop no leitor!!!Estava despedaçado, msm mal disposto.Não pela violência policial, nem pela semelhança entre os actores, mas apenas por já ter visto aquele filme em algum lado!!!

Hummm onde será que vi isto!! The Departed!!! Será!!!! lollllllllll
Meu deus...como pode um realizador ganhar um oscar com um screenplay, que mais é uma cópia que outra coisa qualquer!!! Depois de algo tão pobre axo que nem a Thelma Shoonmaker o consegue safar!! Vendeu-se, é Americano Sem Duvida.

André N.

Ursdens disse...

É verdade sim senhor! Recordo um post que aqui coloquei há uns tempos:

http://projectordosotao.blogspot.com/2007/02/deve-ser-frustrante.html

The departed é um remake, propriamente dito...

Aliás, tem sido assim... Os grandes hits da América são remakes ou cópias dissimuladas de filmes europeus ou orientais...

Vendeu-se? Vendem-se todos... E quem não se vende é honrosamente destruído, com direito a estátua póstuma e tudo, mandada, via de regra, erigir pelos autores da destruição...

"Play it again sam... It's still the same old story, a fight for love and glory..."

Cumrimentos cinéfilos!