terça-feira, março 20, 2007

Revisitas

Domingo à noite revi "Billy Elliot" na televisão. Há cerca de seis anos vi-o, pela primeira vez, no cinema e, desde então, já o devo ter revisto pelo menos quatro vezes.

É um filme com um argumento interessantíssimo, com uma fotografia excepcional e com momentos de adrenalina musical fora do comum. Mas tem-me deixado um amargo de boca de cada vez que o revejo, o que não me costuma acontecer muito...

Acho que há planos em "Billy Elliot" que, porventura, dispensariam a música que os acompanha. Com esses trechos musicais, o míudo Elliot envolve-se de carga dramática, de melancolia "melosa", demasiadamente melosa... Stephen Daldry poderia ter, em certas alturas, retirado a "musiquinha da carochinha" e conferir à personagem de Elliot um aspecto mais crú. O filme teria, a meu ver, ganho com isso.

No entanto, tendo em conta que foi a sua primeira longa metragem, provavelmente manietada pelo, sempre necessário, contributo financeiro dos produtores, não está nada mal!
Ontem revi "Easy Rider" e desse não me farto! O filme, apesar de datado, é provavelmente o expoente máximo do "novo cinema americano". Como é possível que meia dúzia de "junkies" tenham conseguido fazer um filme daqueles, com tantos preciosismos formais e com um argumento de uma densidade inabalável?

Aquele diálogo entre Nicholson e Hopper, no meio do mato, durante a noite, é dos mais bem conseguidos que vi na história do cinema. Um autêntico discorrer filosófico sobre a liberdade. A ideia de que todos nós a almejamos e somos capazes do que quer que seja para nos afirmarmos livres. O peso de sermos também "animais" e de raramente suportarmos a simples visão de alguém mais livre que nós.

Este pequeno diálogo que explica a génese do preconceito e da segregação de certos comportamentos subjectivos quando vistos de um ponto de vista social é, para mim, a maior homenagem feita à liberdade em toda a história do cinema.

Depois há outras coisas em "Easy Rider". Há relógios tombados no chão e tempo esvoaçado por entre planos de uma viagem. Há hippies e "Capitães América". Há pessoas normais e pessoas diferentes. Mas há sobretudo alienação e despreocupação, na imensidão a que os "road movies" sempre se prestam e nas "viagens" que retratam.

"Easy Rider" é um grande compêndio dos valores que a "América" deveria abolir para que nações livres e civilizadas não o fossem apenas em preâmbulos de "grandes textos". A prova de que existem "emendas" que, de tão mal emendadas que estão, não conferem a certas nações o epíteto de "grandiosas" que, tão enaltecidamente, ostentam...

Se as "lutas" de Michael Moore e Lars Von Trier, entre outros, são, hoje em dia, consideradas actuais e pertinentes, porque não dizer que a actualidade das mesmas é mero fruto de exercícios democráticos que as precederam, como este "Easy Rider"?

Se calhar emendo o que disse de início... "Easy Rider" não é datado... é de uma actualidade invulgar, de uma intemporalidade arrasadora!
Depois de "Easy Rider" voltei a aproveitar o que a grelha televisiva dos dias que correm nos vai dando em termos de cinema. Nova revisita, novamente nos meandros da alienação, desta feita pelo olhar de Terry Gilliam.

"Delírio em Las Vegas" não é um filme de que goste especialmente... Acho-o inclusive, em muitos dos seus aspectos, um filme entediante, tal o carácter doentio que as suas "trips" encerram... No entanto, é essa também a sua maior virtude, muito embora o conceito não seja inovador.

Já em 1967 Roger Corman tinha realizado, com argumento de Jack Nicholson, um filme muito semelhante a certos vectores que constam de "Delírio em Las Vegas". Chamava-se "The Trip" e é mais uma daquelas loucas produções dos tempos da "New World Pictures", onde despontaram nomes como Coppola, Scorsese, Fonda, Hopper, entre muitos mais...

Para quem viu "The Trip", "Delírio em Las Vegas" não é nada de especial, à parte o bom trabalho de câmara que espelha quase sempre o ponto de vista das personagens e a excelente interpretação de Johnny Depp.

6 comentários:

Anónimo disse...

Três excelentes filmes. Estou querendo rever Medo e Delírio, do Gilliam, mas é difícil encontrar ele nas locadoras aqui perto de casa. Easy Rider é um épico. Junto com Paris,Texas são as duas produções que resumem o que o cinema poderia ter sido e se perdeu na ganância de produtores!

(http://claque-te.blogspot.com): O Último Rei da Escócia, de Kevin Macdonald.

Susana Fonseca disse...

Bem, falta-me ver o de Terry Gilliam (imperdoável). Quanto aos outros dois, boas recordações, gosto da doçura de Billy Elliot e da liberdade e ousadia de Easy Rider.
Cumprimentos cinéfilos

Jorge Soares Aka Shinobi disse...

Caro Ursdens,

Como vivo e sou natural da Madeira, informo-lhe que o "Projector do Sótão" foi considerado o blogue do dia, por um matutino local denominado Jornal da Madeira. Aqui vai o "link" : http://www.jornaldamadeira.pt/not2005.php?Seccao=10&id=63331&sup=0&sdata=.

Cumprimentos cinéfilos

Ursdens disse...

Roberto: Na ganância dos produtores e na inconsequência dos espectadores....

Lua: Se só te falta ver o do Gilliam viste os dois melhores!

Shinobi: Obrigado pela informação, o Projector do Sotão está babado!


Cumprimentos cinéfilos

José Oliveira disse...

não é datada a obra de hopper, never.

cump.

Anónimo disse...

descobri o teu blog hoje, por um acaso, já que estou a fazer um trabalho sobre o distanciamente no cinema, para a cadeira de estética.
Tenho que te parabenizar pelas críticas e pelo conjunto de filmes que apresentas.
E estou aqui há já algum tempo a ler todas as tuas postagens, até que descobri este do Terry Gilliam. E queria te perguntar se já viste o TideLand, deste realizador? Caso não tenhas visto, e sendo tu um viciado em cinema, aconselho-te!

Obrigado por este blog tão bom.