domingo, novembro 26, 2006

Alemanha ano zero

Quando terminou a Segunda Guerra Mundial logo se esboçaram os primeiros traços do movimento neo-realista. Enfrentava-se um mundo devastado pelos horrores da guerra e no qual os actos mais hediondos tinham sido praticados. A miséria e a fome alastravam-se um pouco por todo o lado e a sociedade reflectia este estado.

O neo-realismo surge, por isso, como um movimento de reação perante tais horrores e têm o seu expoente máximo no cinema, visto ser esta a forma de arte mais abrangente e cujo universo chegava a um maior número de pessoas.

O cinema neo-realista conta-nos pequenas histórias traumáticas e expõe-as de uma forma neutra. Não é o realizador a emitir o juízo de valor à priori, mas sim o espectador a construí-lo.

É certo que os meios económicos para financiar um filme nesta altura eram escassos, mas a intenção dos realizadores neo-realistas era precisamente trazer à tela um cinema o mais crú possível, em que a realidade fosse retratada no seu estado puro.

Reduz-se por isso a influência da montagem na manietação da apreciação crítica do espectador. Este é um cinema que mostra e apenas isso. Um cinema que se preocupa em dar a conhecer a decadência de uma civilização para que a mesma se reconstrua com base nos seus erros.

Em "Alemanha ano zero" Edmund é o personagem principal. Um miúdo que se vê obrigado a carregar o peso do mundo às costas e a prover ao sustento de toda a sua família. O seu pai está doente e não pode trabalhar, o seu irmão não tem documentos.

Edmund é enganado pelos que pretendem explorar a sua inocência e mal amparado pelos que lhe são mais próximos.

A dada altura sugerem-lhe que mate o seu pai (afinal de contas um peso morto). Edmund pensa sobre o assunto, mas não consegue... Aguenta o máximo que pode, até poder...

Roberto Rossellini estampa na tela uma história sobre uma criança que não teve tempo para ser criança, um adulto à força... Os minutos finais de "Alemanha ano zero" são dos mais dramáticos que já foram retratados no cinema...
Pena que, nos dias que correm, ainda existam muitos Edmund's e o cinema neo-realista não tenha sido suficiente para os "exterminar"...

A finalizar, deixo-vos algumas palavras de Rosselini sobre uma questão que abordei num post anterior, relativo ao filme "Stroszek":

"Crê-se demasiadas vezes que o neo-realismo consiste em fazer representar o papel de um desempregado por um desempregado. Pode-se escolher qualquer pessoa na rua. Eu prefiro os actores não profissionais porque eles chegam sem ideias preconcebidas. Olho um homem na vida, fixo-o na minha memória. Quando se encontra diante da câmara, ele fica completamente perdido e vai tentar «representar»; é aquilo que é preciso evitar a todo o custo. Esse homem faz gestos, sempre os mesmos; são os mesmos músculos que «trabalham»; diante da objectiva ele fica paralizado, esquece-se de si mesmo - tanto mais quanto nunca se conhece -, acredita tornar-se um ser excepcional sobre o pretexto de que o vão filmar. O meu trabalho é de o restituir à sua verdadeira natureza, de o reconstruir, de o fazer reaprender os seus gestos habituais."

Texto retirado de "As Poéticas do Cinema" de Carlos Melo Ferreira, tradução do autor.

3 comentários:

Hugo disse...

O triptico que engloba este Alemanha Ano Zero é genial. A primeira vez que o vi (na Cinemateca pois claro) fiquei siderado. Sem palvras. Vi Cinema Puro.

Ursdens disse...

"Roma Cidade Aberta" e "Paisà" são bons, mas o meu preferido é este "Alemanha Ano Zero". Talvez por ser a história de um miúdo..., não sei, toca-me mais...

papagueno disse...

Eu gosto do Europa 51, a Ingrid Bergman é FABULOSA!! Obrigado pelos parabéns.