Bruno Stroszek é o personagem principal deste filme, realizado por Werner Herzog em 1977. Bruno sofre de atrasos psico-intelectuais e é liberto de uma cadeia, onde tinha sido encarcerado devido às zaragatas que frequentemente arranjava, dado o seu estado mental. Nesse momento conhece Eva, uma prostituta, por quem imediatamente se apaixona, e Scheitz um velho delirante e castiço, seu vizinho.Bruno é, de certa forma, uma personagem carente e sensível. É músico nas horas vagas e toca deambolando pelas ruas. Não tem noção das coisas mais elementares, é nayf e deixa-se enganar com uma facilidade tremenda por quem quer que seja.Bruno, Scheitz e Eva viajam para os Estados Unidos em busca do sonho Americano e não tardam a encontrar uma realidade bem diferente da que esperavam. Encontram a América real, fria, desumanizada.
O que ao princípio parecia esperançoso, torna-se o retrato do sonho desfeito e da ilusão permanente, em que o espaço para as quimeras é parco perante a urgência de viver, ou melhor, sobreviver...
Vejo Stroszek como um filme, de certa maneira, neo-realista. Com efeito, Herzog capta a realidade no seu estado mais miserável e crú. Bruno Stroszek está para Herzog como Edmund para Rosselini ou Antonio para De Sica.
Este filme é uma crítica ao mundo dos números, ao mundo em que o dinheiro se torna necessário e o bom coração um peso. Uma crítica à América do sonho sonhado, que a realidade destrói e torna pretérito.
Estamos habituados a ver os grandes realizadores fazerem enormes exigências aos actores. Veja-se, a título exemplificativo, Polanski e Adrien Brody, ou Von Trier e Bjork. Pega-se num argumento com o cunho pessoal do "auteur" e o actor tem que se enquadrar na personagem previamente delineada. Aliás, é isso que vulgarmente distingue um actor de um amador, a capacidade de ser muitos eu's, de representar, de fingir, de ser o que não se é.
Ora, Herzog é completamente distinto neste aspecto, prendendo-se à naturalidade do actor como forma de construção da personagem. Não é já a personagem que faz o actor, mas o actor que faz a personagem. Quantas vezes Herzog irritava propositadamente Klaus Kinsky, quantas vezes o filmou sem ele saber? Onde estaria o Aguirre que conhecemos sem um Kinsky possesso e irritado?
Em Stroszek a história é quase a mesma, mas com alguns elementos que complicam a questão. Senão vejamos:
Bruno Stroszek é o personagem, Bruno S. o actor.
Bruno Stroszek esteve preso várias vezes, Bruno S. deambulou por hospitais psiquiátricos até aos vinte e três anos.
Ambos têm problemas mentais.
Ambos são músicos.
Existe quase uma fusão entre o personagem e o actor, forma que Herzog vê como a melhor para atingir a naturalidade que procura, sem que com isso desvirtue o dramatismo, não o tornando perfeito, mas real. Acrescente-se que Herzog tem por hábito usar actores amadores, assemelhando-se a Pasolini neste aspecto.
A finalizar, uma curiosidade. Terá sido este o filme que Ian Curtis viu antes de se suicidar e é interessante o paralelismo que se pode estabelecer entre Curtis e Stroszek. Curtis suicidou-se uns dias antes de iniciar a primeira tourné nos Estados Unidos, depois de ver um filme sobre alguém que vai para América à procura de muito e não encontra nada. Interessante, tão só...
Vale a pena ver a ingenuidade de Bruno, a alienação de Scheitz e o oportunismo de Eva, à deriva por um mundo que não foi feito para eles e não lhes reserva o melhor dos desfechos. O final tem tanto de extasiante como de bizarro, mas é bonito, naquilo que parece ser uma metáfora, das mais bem conseguidas na história do cinema.
Herzog no seu melhor!