segunda-feira, dezembro 11, 2006

Manderlay

"Manderlay" é o último filme de Lars Von Trier, o segundo da Trilogia sobre a América, que teve o seu ponto de partida em "Dogville" e será finalizada com "Washington", este último ainda não concluído.

Nesta sequela mantêm-se os mesmos traços estético-formais iniciados em "Dogville". Ou seja, a utilização de cenários abstractos e minimais, a câmara em mão e a divisão do filme em capítulos. Fico, aliás, feliz por ver Von Trier afastar-se cada vez mais do absolutizante e céptico movimento "dogma 95", preferindo, ao invés, usar os seus artifícios de uma forma casuística e menos limitativa a priori.

Acho a ideia dos cenários brilhante, no sentido em que, eliminando a ausência de barreiras espaciais entre edifícios permite aquilo a que, com algum arrojo, chamarei de "nova profundidade de campo" e que vem, em minha opinião, inovar, de um ponto de vista criativo, o percurso da linguagem cinematográfica.
Se em "Dogville" vimos Von Trier iniciar um discurso de comprometimento contra os Estados Unidos (aliás, já "Dancer in the Dark" aproveitara deste discurso), em "Manderlay" assistimos à continuidade desta lógica.
"Dogville" tinha sido um ensaio sobre o poder e a sua mecânica de auto-corrupção, um ensaio sobre as premissas da natureza humana. "Manderlay" é exactamente o mesmo, mas com um pano de fundo diferente, a questão da escravatura.

São interessantes as explanações de conceitos políticos que podemos encontrar, tanto em "Dogville", como em "Manderlay", mas admitamos que estão um pouco "gastas". Von Trier é um idealista, ou pelo menos aparenta sê-lo, pena que se comprometa com ideais, falaciando os seus argumentos. Não que me diga muito a "democracia americana", mas não posso concordar com nenhuma análise tendencial, como é hábito no Sr. Von Trier... Em "Manderlay", Von Trier até faz transparecer o aspecto de que os temas serão tratados com alguma honestidade intelectual, mas cedo percebemos que é só aspecto... Aliás, outra coisa não seria de esperar de alguém que elege, como cavalo de batalha, a crítica a um país onde nunca esteve...

Concluindo este ponto, penso que "Dogville" e "Manderlay" teriam tudo para serem verdadeiros manifestos políticos e acabam por não passar de meras parábolas morais... Mas, afinal de contas, convenhamos que não será ao cinema que compete a elaboração de manifestos políticos e que, no que diz respeito à arte cinematográfica propriamente dita, "Dogville" e "Manderlay" são dois grandes filmes.

Em "Manderlay", Grace (desta feita interpretada por Bryce Dallas Howard) abandona novamente o seu pai para se juntar à comunidade de uma pequena aldeia. Aí encontra uma espécie de "mundo perdido" em que a escravatura se mantém instituída, não obstante já ter sido abolida no resto dos Estados Unidos, há cerca de setenta anos.

Grace traz consigo alguns dos capangas do seu pai e, na sua "infinita bondade", empenha-se em restituir a situação à normalidade, assumindo o poder sobre a aldeia, naquilo que parece ser uma tentativa de ensaio dos primórdios da democracia e das razões que estão inerentes às diversas formas de concretização do estado social.

O filme tem, como "Dogville", um ritmo ímpar, agregado a uma narrativa muito bem construída e a um bom desempenho dos actores, como já é timbre nos filmes realizados pelo exigente Von Trier. Diga-se aliás, que nada perde este "Manderlay" pelo facto de Grace já não ser interpretada por Kidman.

Pessoalmente até gostei mais de Manderlay do que de Dogville, embora sejam filmes muito semelhantes.

Por aqui me fico...

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