sábado, março 31, 2007

Nos meandros da intriga...

Há uns tempos vi "O Bom pastor" no cinema. O segundo filme de Robert De Niro como realizador, embora o seu anterior filme, "The score", tenha sido realizado em parceria com Frank Oz.

O filme conta a história do obscuro nascimento da C.I.A. e de um homem, Edward Wilson, um dos primeiros funcionários da Agência Americana.

É um filme moral e com uma moral implícita em todo o seu argumento. Discorre sobre ideias como o nacionalismo e a família, abordando escolhas que em certas alturas têm de ser feitas, umas pelo país, outras pelos indivíduos que nos são mais próximos.

Edward, interpretado por Matt Damon (sempre em grande nível), é um agente incorruptível, compenetrado no seu trabalho, disciplinado e disciplinador. Traumatizado pela morte do pai, empenha-se em ser tudo o que ele não fora, ciente de que existem certos erros insuperáveis...

Vi "O Bom Pastor" com algum agrado, embora o considere um "filmezito" e pouco mais... Há pelo menos, que eu me lembre, quatro raccords completamente falhados, ainda que a densidade do argumento e as interpretações superem esse facto.

É difícil falar sobre um género de cinema que não aprecio por aí além, muito embora o esforço de De Niro não seja totalmente despropositado e se possa dizer, em jeito de conclusão, que o filme tem uma certa qualidade.

Vi também no cinema "As vidas dos outros", realizado por Florian Henckel von Donnersmarck.

"As vidas dos outros" é um filme sobre o funcionamento de outra agência de espionagem, desta feita a "Stasi", da antiga Alemanha de Leste. O filme foca o desmembrar da "cortina de ferro" e toda a situação política e social que envolvia o regime nos últimos anos de existência do bloco comunista.

Neste filme o personagem Gerd Wiesler é um agente da Stasi, obstinado pelo trabalho e meticuloso em todas as suas acções. Absolutamente leal ao regime comunista, Wiesler não poupa esforços nas investigações criminais em que toma parte.

A dada altura, no entanto, o seu modo de ver as coisas começa a mudar, apercebendo-se que o regime em que tanto acreditava não era mais do que uma estrutura tentaculosa, feita em prol de uma classe dirigente priviligiada e em detrimento de quem quer que, contra ela, se manifestasse.

Quando Wiesler começa a investigar as acções de um escritor consagrado na Alemanha Oriental, Dreyman, provavelmente o único com sucesso no exterior da cortina de ferro, lentamente se começa a aperceber das lacunas do regime e das diferentes morais possíveis no que lhe diz respeito.

A personagem de Christa-Maria Sieland é provavelmente a mais densa e bem conseguida de todas aquelas que fazem parte do filme. Christa é a mulher por excelência, caracterizada por uma insegurança e fragilidade capazes de, em momentos difíceis, porem à prova o seu carácter.

"As Vidas dos Outros" é um filme, em certos aspectos, semelhante a "O Bom Pastor", vencendo porém o seu concorrente fruto da maior densidade emocional e psicológica adstrita à história narrada.

Talvez diga isto por se tratar de um filme europeu e por não ter nenhum daqueles pormenores tipicamente "Hollywoodescos", ainda assim penso que vale muito a pena e, dentro do género, é um grande filme.

Aproveito para falar também de um filme que vi anteontem e que, terá, embora com diferenças diametrais, algo a ver com os dois primeiros. Estou a falar de "Rope", realizado em 1948 por Alfred Hitchcock.

Pouco direi acerca do argumento do filme, sobejamente conhecido pelos demais cinéfilos, pese embora não possa deixar de expressar a minha admiração pela genialidade de Hitchcock.

Fazer um filme sem cortes, num único plano sequência, é uma utopia cinematográfica, recentemente experimentada por Alexander Sokurov em "Russian Ark". Realivamente a "Rope", não é de um plano sequência único que falamos, mas de uma ilusão de plano sequência único.

Haverá pelo menos seis cortes no filme. Um é feito logo ao início, de uma forma evidente, mas todos os outros são feitos através da filmagem de um plano mais escuro, quase negro, o qual esconde por completo o corte.

Ora, qual o problema de fazer um filme num único plano sequência? E qual a vantagem? Se por um lado o plano sequência, via de regra, rouba ritmo ao filme, por outro, quando bem feito, acrescenta autenticidade.

"Rope" é por isso, para mim, uma das maiores ilusões cinematográficas a que tive oportunidade de assistir. Um filme em que se corta muito pouco sem que a composição dos planos deixe de ser equilibrada. Ora, é isso que se exige, acima de tudo, de um bom realizador, que seja bom na "mise en scène" de modo a que o corte não venha a ser necessário para criar emoções. Assim sim é difícil fazer cinema, mas Hitchcock sabia fazê-lo!

terça-feira, março 27, 2007

Aronofsky deveria começar a beber de outras "fontes"...

O último filme de Darren Aronofsky, “The Fountain”, é um exercício cinematográfico de uma peculiaridade extrema. Rompendo com a linha de “Requiem for a Dream” e continuando a sua obstinação por universos fantásticos, na senda da sua primeira longa metragem, “Pi”, Aronofsky oferece-nos uma narrativa complexa, tão complexa que acaba por se tornar um tanto ou quanto claustrofóbica…

Devo dizer que não me agrada a temática do filme, talvez por me cheirar a cliché em todos os seus recantos. Fontes da juventude, árvores da vida, eternidade, morte como um início, etc. etc. etc. … Enfim, uma série de ideias demasiadamente gastas para merecerem um esforço desta envergadura.

“The Fountain” foi, durante muitos anos, o “projecto de vida” de Aronofsky. Empolgado pela realização do filme, não mediu esforços no que à mesma diz respeito. O resultado é sabido e já comum na história de muitos filmes… Os produtores vão perdendo paulatinamente a paciência perante a intransigência dos supostos “Auteurs” e a obra vai-se desvirtuando à medida que o tempo passa…

Não consigo imaginar como seria o “The Fountain” que Aronofsky inicialmente concebeu, mas uma coisa me parece, este não foi de certeza! Não é que o filme seja “mau, ponto final”, mas é tortuoso, entediante, vulgarmente cansativo e, por vezes desconexo.

O final é de uma esquizotimia atroz! A dada altura o ecrã fica branco, pensamos que o filme vai acabar e, de repente, surge uma árvore radiosa e cintilante, vinda sabe-se lá de onde, que quase nos turva o olhar… E não é um daqueles “turvares” calorosos e aconchegantes, bem pelo contrário…
As interpretações são medíocres, a fotografia é medíocre, a narrativa é medíocre, a temática é medíocre e até Clint Mansell nos oferece uma banda sonora medíocre quando comparada à de “Requiem for a Dream”. Faltou, porventura, o toque dos “Kronos Quartet”.

Devo dizer, no que à minha opinião sobre Aronofsky diz respeito, que, ao contrário de muitos, não achei “Pi” nada de especial. Um filme medianamente interessante, com uma fotografia esplendorosa e pouco mais… “Requiem for a Dream” é uma obra prima e disso poucos terão dúvidas! “The Fountain” é o parente pobre, para não dizer o cadáver jacente alado aos dois primeiros.

Quando saí do cinema ouvi, ao de leve, uma conversa entre dois indivíduos. Dizia um para o outro: - “Eh pá, foi o pior filme da minha vida, que desilusão!” Ao que o segundo retorquiu: -“A fotografia e tal até é jeitosa, mas o filme de facto não vale nada…”

POR FAVOR! Não tentem salvar Aronofsky, não vale a pena… A fotografia não é jeitosa não senhor! É medíocre, como disse anteriormente, senão mesmo má…

Com “The Fountain” esventram-se as esperanças depositadas num jovem realizador. Espero estar enganado e faço minhas as palavras de Aronofsky: “Requiem for a Dream”!

terça-feira, março 20, 2007

Revisitas

Domingo à noite revi "Billy Elliot" na televisão. Há cerca de seis anos vi-o, pela primeira vez, no cinema e, desde então, já o devo ter revisto pelo menos quatro vezes.

É um filme com um argumento interessantíssimo, com uma fotografia excepcional e com momentos de adrenalina musical fora do comum. Mas tem-me deixado um amargo de boca de cada vez que o revejo, o que não me costuma acontecer muito...

Acho que há planos em "Billy Elliot" que, porventura, dispensariam a música que os acompanha. Com esses trechos musicais, o míudo Elliot envolve-se de carga dramática, de melancolia "melosa", demasiadamente melosa... Stephen Daldry poderia ter, em certas alturas, retirado a "musiquinha da carochinha" e conferir à personagem de Elliot um aspecto mais crú. O filme teria, a meu ver, ganho com isso.

No entanto, tendo em conta que foi a sua primeira longa metragem, provavelmente manietada pelo, sempre necessário, contributo financeiro dos produtores, não está nada mal!
Ontem revi "Easy Rider" e desse não me farto! O filme, apesar de datado, é provavelmente o expoente máximo do "novo cinema americano". Como é possível que meia dúzia de "junkies" tenham conseguido fazer um filme daqueles, com tantos preciosismos formais e com um argumento de uma densidade inabalável?

Aquele diálogo entre Nicholson e Hopper, no meio do mato, durante a noite, é dos mais bem conseguidos que vi na história do cinema. Um autêntico discorrer filosófico sobre a liberdade. A ideia de que todos nós a almejamos e somos capazes do que quer que seja para nos afirmarmos livres. O peso de sermos também "animais" e de raramente suportarmos a simples visão de alguém mais livre que nós.

Este pequeno diálogo que explica a génese do preconceito e da segregação de certos comportamentos subjectivos quando vistos de um ponto de vista social é, para mim, a maior homenagem feita à liberdade em toda a história do cinema.

Depois há outras coisas em "Easy Rider". Há relógios tombados no chão e tempo esvoaçado por entre planos de uma viagem. Há hippies e "Capitães América". Há pessoas normais e pessoas diferentes. Mas há sobretudo alienação e despreocupação, na imensidão a que os "road movies" sempre se prestam e nas "viagens" que retratam.

"Easy Rider" é um grande compêndio dos valores que a "América" deveria abolir para que nações livres e civilizadas não o fossem apenas em preâmbulos de "grandes textos". A prova de que existem "emendas" que, de tão mal emendadas que estão, não conferem a certas nações o epíteto de "grandiosas" que, tão enaltecidamente, ostentam...

Se as "lutas" de Michael Moore e Lars Von Trier, entre outros, são, hoje em dia, consideradas actuais e pertinentes, porque não dizer que a actualidade das mesmas é mero fruto de exercícios democráticos que as precederam, como este "Easy Rider"?

Se calhar emendo o que disse de início... "Easy Rider" não é datado... é de uma actualidade invulgar, de uma intemporalidade arrasadora!
Depois de "Easy Rider" voltei a aproveitar o que a grelha televisiva dos dias que correm nos vai dando em termos de cinema. Nova revisita, novamente nos meandros da alienação, desta feita pelo olhar de Terry Gilliam.

"Delírio em Las Vegas" não é um filme de que goste especialmente... Acho-o inclusive, em muitos dos seus aspectos, um filme entediante, tal o carácter doentio que as suas "trips" encerram... No entanto, é essa também a sua maior virtude, muito embora o conceito não seja inovador.

Já em 1967 Roger Corman tinha realizado, com argumento de Jack Nicholson, um filme muito semelhante a certos vectores que constam de "Delírio em Las Vegas". Chamava-se "The Trip" e é mais uma daquelas loucas produções dos tempos da "New World Pictures", onde despontaram nomes como Coppola, Scorsese, Fonda, Hopper, entre muitos mais...

Para quem viu "The Trip", "Delírio em Las Vegas" não é nada de especial, à parte o bom trabalho de câmara que espelha quase sempre o ponto de vista das personagens e a excelente interpretação de Johnny Depp.

quarta-feira, março 14, 2007

Sweet and Lowdown

Da infindável pilha de filmes que tenho mas ainda não vi, decidi-me ontem a tirar este "Sweet and Lowdown", realizado por Woody Allen em 1999.
O filme é uma biografia, mais ou menos precisa, de um guitarrista de jazz cuja história e carreira ainda hoje estão na obscuridade, Emmet Ray, interpretado por Sean Penn. Emmet é uma espécie de lenda, cuja vida e obra não ficou documentada. Diz-se que ficava paralisado só de ouvir falar no seu ídolo Django Reinhardt. Diz-se que era egocêntrico, alcoólico, cleptomaníaco, mulherengo, que gostava de matar ratazanas a tiro e ver comboios passar... Mas diz-se apenas, porque nada se sabe ao certo...

Emmet conhece Hatie, uma dócil muda, que lhe aturava tudo sem retorquir (talvez por imperativos fisiológicos...). Pela primeira vez Emmet decide-se a ter uma relação estável, mas, quando conhece Blanche (Uma Thurman), de imediato deixa Hatie e a substitui.

Blanche é uma personagem muito bem conseguida. Há ali qualquer coisa de Uma Thurman que é sempre invariável, aqueles aspectos de "Black Mamba" que nunca consegue despir no cinema... Blanche é diametralmente diferente de Hatie. É uma mulher independente, que se consome por diambolações intelectuais (por vezes não muito ricas) e que, a final, trai Emmet, destruindo-lhe o tão precioso ego que exalava.

Emmet volta a ver Hatie, mas cedo se apercebe que está desorientado, que pela primeira vez na vida a sua forte personalidade foi posta em causa. É este o momento chave no filme. É nesta altura que Emmet passa a ser ele próprio. É a partir daí que Emmet consegue por de parte o seu ego e exprimir todos os seus sentimentos, abandonando a imagem de "macho obstinado" que sempre o acompanhara. Deixa tudo e todos, isola-se socialmente, e consegue finalmente ser tão bom como o seu ídolo "Django Reinhardt", registando, no final de vida, as suas melhores e mais expressivas gravações.

Esta é a parábola moral que Woody Allen, bem ao seu jeito, nos deixa. A ideia de que a criatividade, para ser total, tem que ser genuína e que a vergonha em expressar sentimentos apenas a poderá toldar.

"Sweet and Lowdown" é um filme com uma estrutura documental. Mais uma daquelas experiências de Woody Allen, que nos provam como pode o seu cinema ter aspectos diversos do "Judeu em Manhattan". Não é uma obra prima, nem de longe, mas vale a pena ver pela delicadeza da história de Emmet Ray.

sexta-feira, março 09, 2007

Os Pássaros

Ontem vi pela primeira vez este clássico de Alfred Hitchcock, realizado em 1963.

Já estava à espera de um bom filme, mas há uma magia em Hitchcock que está sempre presente pelo seu efeito surpresa. Hitchcock pensa sempre no espectador, preocupa-se sempre com o ritmo do filme e com a absorção deste por quem o vê.

Existem inúmeras observações que se poderiam fazer ao cinema de Hitchcock e que o tornam especial. A par de Welles, Hitchcock é, provavelmente, o maior ilusionista da história do cinema. Preferia sempre a luz artificial, especialmente nos grandes planos; preferia sempre o estúdio à paisagem natural, achava que era lá que se podia captar a perfeição que idealizava. Este processo, que quase se tranformou numa obsessão, acabou por datar os seus filmes, estéticamente falando. Ou seja, Hitchcock filmava uma cena em estúdio, com os actores e sem paisagem; depois filmava a paisagem à parte e sobrepunha os dois através de um processo químico. O resultado, tendo em conta a época, era muito bom, mas hoje em dia nota-se uma certa artificialidade em comparação aos filmes contemporâneos.

Outra coisa que gostei em "Os Pássaros" foi o aproveitamento da profundidade de campo, no uso de planos sequência que nunca eram muito longos para não quebrar o ritmo do filme. A isto, Hitchcock contrapunha muitas vezes uma montagem rápida, como é o caso daquela cena na qual aparece um cadáver com os olhos arrancados. Três planos extremamente curtos, com dois cortes em que se alterava a perspectiva do cadáver. O efeito final é de uma carga enorme, não haveria melhor forma de conseguir aquela sensação de espanto/medo no espectador ao filmar o dito cadáver!

Em "Os Pássaros" Hitchcock conta uma história muito simples. Mitch e Melanie conhecem-se, embora antes já tivessem tido alguns conflitos legais. O que começou por ser ódio, transforma-se rapidamente numa relação de tensa sedução. Melanie, num fim de semana, vai procurar Mitch à sua terra natal. Entretanto, acontecem uma série de fenómenos quase paranormais. Os pássaros estão estranhos, atacam as pessoas e, lentamente, vão-se tornando, a cada momento que passa, um perigo maior, num final que se supõe, desde início, apocalíptico.

Não é na complexidade do argumento que reside a magia de "Os Pássaros", mas sim na forma como o mesmo é desenvolvido em cinema. Hitchcock vai-nos dando medo progressivo, calculado e medido de forma rigorosa, como uma avalanche.

É interessante a ideia conceptual que está por trás de "Os Pássaros". A ideia de que somos muito pequenos. Que só somos a espécie dominante enquanto as outras o deixarem. Que invariavelmente aparecerão outros seres dotados de inteligência e da "maldade" que lhe anda associada. Que, inadiavelmente, pereceremos e seremos substituídos...

Sobre o final já muita tinta escorreu. A mim agrada-me este final aberto em que não sabemos se o mundo acaba ou não, se as personagens se salvam ou não. Acho-o perfeito! No entanto, a ideia original do argumento era outra. Nessa ideia, as personagens salvar-se-iam, explicitamente... Ainda bem que não foi avante!

segunda-feira, março 05, 2007

Fui viver para o campo...

Estou em processo de transição de vida e há muitas coisas para fazer... Como os co-autores deste blog não me vão dando uma mãozinha para manter isto vivo, acho que até ao final desta semana o blog vai continuar parado.
De qualquer forma, ontem finalmente isolei a porta do sótão! :D A partir de agora vão-se começar a fazer projecções com mais regularidade! (... é que existe mesmo um sótão e um projector... e agora estou mais perto dele! :D)

Deixo uma foto com vista geral do meu novo poiso, que tanta nostalgia me traz, mas que, ao fim de uma semana por cá, já me começa a entediar... Enfim..., há-de passar com o tempo, hei-de me adaptar, ou pelo menos assim o espero...