quarta-feira, maio 31, 2006

Match Point

Woody Allen de regresso, desta vez sem um papel de actor no filme, concentrando-se, mais e com maior empenho, na realização. Match point é um filme diferente, diferente sobretudo por não ser habitual em Allen, não se comparando sequer ao período "Bergmaniano", de maiores preocupações cénicas e estéticas, onde despontam filmes como "Manhattan" ou "Annie Hall". Isto porque, embora o rigor não esteja posto de parte na realização de Match point, Allen deixa de lado conceitos que sempre figuraram como lugar comum no seu cinema. Com efeito, a acção não tem o ritmo próprio de Woody Allen, talvez por já não ser a sua Manhattan o pano de fundo, mas a fria e soturna cidade Londrina.

É, no entanto, um filme sobre relações, sobre relações amorosas, sobre o casamento e a infidelidade, a mentira e a cumplicidade, talvez em termos conceptuais, um prolongamento de "Annie Hall". Avistamos, porém, dois conceitos que são explanados, de uma forma, nunca antes vista, no cinema de Allen - A sorte e a obsessão.

O filme começa, aliás com um discorrer sobre o primeiro dos citados conceitos, explicando-se, desta forma, o título "Match point". É apresentada uma rede de ténis com uma bola a deambular de campo a campo, metaforizando-se a situação da "net ball" como uma alegoria aos acontecimentos fortuitos que determinam o futuro. Neste âmbito a situação é similar ao argumento de "Instantes decisivos" tcc "Sliding doors", do realizador Peter Howitt. No entanto, parece-nos, mais que tudo, um evocar do plano final da obra prima de Michelangelo Antonioni, "Blow Up" e, porventura até, uma "homage".A situação da bola de ténis e da rede apresenta-se, aliás, como a chave do filme, constituindo um significante da ideia que, a final, se vem a concretizar, aquando da cena da aliança e da ponte sobre o Tamisa.

É uma história de relações, de poder, de ascenção e até de obsessão. Chris, interpretado por Jonathan Rhys Meyers, é um antigo tenista profissional Irlandês que nunca alcançou muito sucesso e que se instala em Londres para dar aulas de ténis num clube de elite. Aí conhece Tom, que mais tarde o vem a apresentar à sua irmã Chole, com a qual acaba por se casar por dinheiro. Ao mesmo tempo, Chris conhece também Nola, a namorada de Tom, personagem magnificamente interpretada por Scarlett Johansson.

Entre os dois gera-se imediatamente uma atracção, mesmo antes de Chris saber que Nola era a namorada de Tom, e que acaba por desembocar numa relação oculta e de forte componente sexual.

É do triângulo amoroso entre Chris, Chloe e Nola que "Match Point" respira uma ambiência de intriga e sedução, desembocando no assumir de responsabilidades por parte de Chris, e num mini-ensaio cinematográfico acerca do sentimento de culpa, evocação clara a uma das grandes referências de Allen em termos de cinema, Ingmar Bergman.

Um filme que vale, definitivamente a pena, e que constitui, seguramente, um dos melhores trabalhos de Woddy Allen como realizador.

terça-feira, maio 30, 2006

Da Vida das Marionetas

Película, parcialmente, a preto e branco, realizada por Ingmar Bergman em 1980, "Da vida das marionetas" é mais um filme do realizador sueco sobre os temas que marcaram a sua carreira e os seus argumentos.

A vida, a morte, o casal, o amor, o sexo, a psicanálise, as pulsões e os recalcamentos, são alguns dos assuntos explanados no filme, marcado pelo forte rigor, tipicamente "Bergmaniano", no que diz respeito à composição dos planos e à mise en scène.

O "filho do pastor protestante" assina aqui um dos seus (muitos) melhores filmes, retratando a vida do casal Egermann, Katarina e Peter. O filme começa com um homicídio e desenrola-se no âmbito da investigação do mesmo. Peter tem desejos, desejos ocultos... Confessa ao seu amigo psicanalista que quer matar a sua mulher, que sente o impulso de o fazer. Este conclui pela insegurança de Peter, por um núcleo de acontecimentos que fizeram despertar nele uma homossexualidade oculta, nunca revelada e camuflada sob a égide da frustração. A relação de Peter e Katarina é liberal, descomplexada, aberta, sobrando, no entanto, uma réstia de verdades ocultas que disseminam a vida conjugal, ou não fosse este filme também um ensaio sobre o casal.
Peter e Katarina são, aliás, personagens antigas, que nasceram em "Cenas da vida conjugal", filme do qual o, mais recente "Saraband" será uma espécie de sequela.

"Da vida das marionetas" foi rodado durante o exílio alemão de Ingmar, atormentado pelo escândalo fiscal em que se viu envolvido e obrigado a abandonar o seu país natal. É, na esteira da vasta obra do sueco, mais um filme que congrega elementos teatrais, tão presentes na obra de Bergman, ele próprio também um dramaturgo. A desmistificação da história opera em todos os quadrantes. Repare-se, a este propósito, no facto de as personagens olharem directamente para a câmara, como que querendo significar que estamos, apenas, perante um filme, técnica usada por Bergman ao longo da sua obra, citando-se, a título exemplificativo, "Mónica e o desejo" e "Saraband".

Um filme marcante, um ensaio sobre a ângústia existencial e o despertar dos fantasmas por ela desencadeados. Depressivo, reflexivo e definível apenas por um adjectivo - Bergman...

Swimming pool

À primeira vista, uma história corriqueira... Uma escritora famosa, uma crise de meia idade, umas férias de descompressão... É assim que François Ozon arquitecta o pano de fundo deste filme, um thriller bem "sui generis" e cujo conceito não é muito usual. Com efeito, Ozon introduz uma cadência no explanar da narativa, sem que, contudo, haja vestígios de qualquer perda de ritmo na mesma.

As interpretações são superiores, sobretudo no que toca às duas actrizes, Charlotte Rampling, a escritora, e Ludivine Sagnier, a filha do editor, com quem a primeira acaba por, inesperadamente, passar as suas férias. A personagem de Rampling é, inicialmente, fria, distante e crua, quase que representando o paradigma da mulher de sucesso profissional e frustração pessoal. Ludovine Sagnier, por seu turno, encarna o papel de uma jovem rebelde e provocante, tendencialmente ninfomaníaca e com uma forma de encarar a vida descontraída e descomprometida, porventura até demasiado.

É do antagonismo entre estas duas personagens que se faz a primeira parte do filme, desabrochando, aquilo que começou por ser um atrito, numa relação de cumplicidade, retratando-se, de certa forma, um choque geracional. Rampling, a mulher feita e Sagnier a adolescente.

O filme é rodado num ambiente de intriga, que incute no espectador uma ansiedade constante em saber qual o desfecho dos acontecimentos. É um daqueles filmes que não se auto-enuncia nem denucia, mas diga-se, em abono da verdade, que o que mais seduz acaba por ser a personagem de Saignier, envolta numa constante aura de sedução e provocação, modelada por um enquadramento estético de nível elevado. A fotografia é feita de belíssimas composições que exploram a sensualidade de Saignier e do próprio local onde a acção se desenrola, o Sul de França.

A final, uma narrativa aberta que deixa um pouco a desejar. Não que a ideia de perturbar a linearidade narrativa seja uma má ideia "per si", tão só que, neste filme, deixa uma certa azia no ar. Faltou, porventura, o rasgo, que nem sempre acontece, valendo, mesmo assim, os cerca de cem minutos ao longo dos quais o filme se desenrola.