Não sei se a RTP anda a fazer um ciclo dedicado ao Charlton Heston, embora tenha visto recentemente 3 filmes desse odioso defunto na estação pública.
Sobre "Ben Hur" não vou falar, até porque, de tanto o ter visto, à semelhança da maioria das pessoas, pouco haverá a dizer sobre o filme. É daqueles lugares comuns cine-televisivos, que passam ano sim, ano sim, no grande ecrã. O processo é simples, uma pessoa vai-se acomodando e prendendo paulatinamente os olhos à caixinha (até porque os dias santos têm de fazer algum sentido para quem não almeje a santidade e tão pouco acredite nela...) sendo que, ou está com sono e adormece, ou não está com sono e papa aquilo mais uma vez...
Adiante...
Vi também "55 dias em Pequim", realizado em 1963 por Nicholas Ray. Este filme foi o último realizado por Nick Ray e inseriu-se num contrato de três filmes para o ganancioso produtor Samuel Bronston, que seriam rodados em Madrid. Segundo se conta, Ray terá adoecido a meio da rodagem do filme, pelo que o seu verdadeiro realizador, responsável pela maioria do filme, terá sido Guy Green, um director de fotografia britânico.
Sobre "55 days at Peking", algumas palavras do próprio Nick: "É-me doloroso falar deste filme. Lembro-me que, uma noite, acordei e disse à minha mulher: Alguém ou alguma coisa veio ter comigo e disse-me que se eu fizer este filme nunca mais faço outro."Palavras proféticas as do realizador, visto que a sua atribulada carreira em Hollywood, que começara 15 anos antes com "They Live by night", teria mesmo aqui o seu ponto final. Depois deste filme, apenas uma co-realização com Wim Wenders (Lightning over water), em que o papel de Ray é mais o de um actor do que o de um realizador propriamente dito.
"55 dias em Pequim" é uma espécie de épico à Hollywood, que retrata um período da história Chinesa marcado pela revolução dos boxers, caracterizados como uma espécie de seita de assassinos. Aliás, é interessante a perspectiva colonial em que o filme assenta, quase dando a entender ao espectador que a defesa da presença dos "quase colonizadores" estrangeiros na China é um feito capaz de evangelizar o maior dos exploradores. Dizer sobre este assunto que Heston assenta bem no papel, ele que em vida lutou pelo "glorioso" direito dos americanos a terem uma arma, essa causa nobre e fulcral ao progresso da humanidade... Perguntar se Heston foi um homem ou um homúnculo seria quase tão interessante como discutir o Ben-Hur, pelo que ora não se entrará por esse caminho...
Anteontem, um outro filme com o senhor Heston no papel principal. Foi um filme que me chamou a atenção desde início. Gosto da temática das utopias negras e "Soylent Green", ou "À beira do fim", de 1973, parecia ser o ideal para um serão em que as insónias batiam à porta. A narrativa inicia-se num cenário apocalíptico, com recolheres obrigatórios e um planeta, na segunda década do terceiro milénio, em que o calor nas ruas e a escassez de recursos transformavam o mundo num lugar hediondo. O filme tem uma estética muito 70's, com música funk intercalada, bem ao estilo de Shaft e dos seus congéneres. Heston, é um polícia que tenta desvendar um crime, cujo cerne estaria associado a um negro destino da humanidade. Depois, os já habituais clichés das utopias negras, tais como comida em barras, ausência de plantas, governos dirigistas, e escassez de produtos.
O que me desagradou essencialmente em "Soylent Green" foi a contrução da narrativa, com nítidas falhas lógicas. Polícias que investigam em locais obscuros sob pressão e têm todo o tempo do mundo para fazer o que quer que lhes dê na veneta; indivíduos que levam tiros no peito, sobrevivem e passado um minuto já correm velozmente, bem como um sem número de mágicas proezas com as quais o cinema americano tem o hábito de nos brindar. Para mais, o fim, que não conto por respeito ao leitor mais destemido, é daqueles que dá vontade de dizer: "O quê, tanta coisa para isto?"
Em suma, para mim "Soylent Green" é daqueles filmes que prende o espectador ao ecrã, pela sua temática interessante, deixando simultaneamente um amargo na boca a cada minuto que a narrativa se vai desvendando.
De qualquer forma, parabéns à RTP pelo esforço de transmitir filmes menos conhecidos das gerações mais jovens, porque, se sofrer de insónias já é mau, não ter como as ocupar seria bem pior...